Há uma certa confusão quando se fala em contrato pré-pago e contrato de execução continuada. Vamos por partes.
CRIAR OBRIGAÇÕES?
O contrato é uma das principais formas de criar obrigações. A obrigação (do latim obligare = ob + ligare, aquilo que objetiva ligar, amarrar uma coisa a outra) é a relação (vínculo) que duas pessoas criam, uma em face a outra, para que ambas façam ou não algo em relação a outra, ou entreguem algo uma a outra. Por isso o contrato escrito é a principal ferramenta para criar obrigações, onde tudo fica bem definido.
MOMENTO DE CUMPRIR A OBRIGAÇÃO?
A obrigação, criando aquela ligação com a outra pessoa, (dar, fazer ou não fazer algo), tem de ser cumprida, quer dizer, cada indivíduo deve realizar o que “prometeu”, e tem um tempo certo para fazer isso.
Por exemplo, um contrato pode ser cumprido imediatamente, instantaneamente, ou pode se estender, ir se desdobrando pelo tempo. Pode ainda ser combinado de formas diferentes para cada um dos sujeitos do contrato.
Exemplo. Um deve pagar o preço de uma vez, e o outro ir fornecendo determinado produto ou serviço durante alguns meses. Ou ainda, os dois podem definir que cumprirão cada um a sua parte durante certa quantidade de meses sucessivos.
Pode também estabelecer que o contratante deva pagar antes de o serviço ou produto ser disponibilizado. Exemplo, um contrato de 12 meses define que o contratante deva pagar o valor antecipadamente para usar um serviço naquele mês (para que o serviço seja disponibilizado), ou não terá acesso ao serviço.
CIRCUNSTÂNCIAS
Um contrato para ser de uma forma ou outra dependerá de inúmeras circunstâncias, mas o principal motivo é a definição das obrigações e o momento de seu cumprimento conforme os contratantes decidam.
PRÉ-PAGO OU CONTRATO DE EXECUÇÃO CONTINUADA?
Afinal, quando é um, quando é outro?
Lembre-se que o que define será o que está no contrato sobre a forma e o momento de cumprir as obrigações de cada contratante. Mas vamos por partes.
Vejamos um exemplo de contrato instantâneo.
Este tipo de contrato é possível por causa das particularidades que o envolvem (a coisa ou serviço contratado). Os aspectos que se relacionam ao seu objeto (bem ou serviço) permitem que um lado pague imediatamente e o outro disponha o serviço ou produto também imediatamente. Contratos como os pay per use, pay per play, são exemplos desse tipo (instantâneos). Essas peculiaridades permitem que a obrigação seja cumprida instantaneamente. “Pagou, levou!”. Esse é do tipo “pré-pago”.
Pré-pago é um nome que se dá justamente pelas características que estão nesse tipo de contrato. Assim, basicamente (a regra) esse tipo de contrato:
a) deve ser cumprido instantaneamente (pelos dois contratantes);
b) feito o pagamento, o serviço é disponibilizado imediatamente;
c) não há formalidades (a regra é ser simples);
d) não poderá mais ser modificado;
e) não há obrigação de renovação do contrato;
f) o serviço pode ser usado ou não pelo contratante (use ou não, já está pago);
g) não há fidelidade (a regra é não ter);
h) o contratante pode contratar e deixar de contratar tantas vezes quantas quiser;
i) encerrado o prazo de uso, simplesmente o acesso ou fornecimento é interrompido sem maiores formalidades (geralmente há um aviso do fim do prazo).
Com o desenvolvimento da tecnologia, ficou muito comum este tipo de contrato em determinados seguimentos, como de telecomunicações, acesso à internet, games, e os que se tornaram mais populares hoje, os serviços de Streaming(para quem se lembra dos serviços de TV por assinatura, ou a cabo, a coisa mudou muito!).
As circunstâncias permitem ao fornecedor destes produtos disponibilizá-los desta forma, sem maiores problemas. Alguém paga. Acabou o período de uso? Tudo bem. Todos voltam ao normal. Todos seguem sua vida. Quer, depois de meses, voltar a assistir filmes? Sem problema, pague e verá por mais trinta dias, sem formalidades.
Mas como dissemos, as circunstâncias reais que envolvem o contrato é que possibilitaram este tipo de contrato pré-pago, típico exemplo de contrato instantâneo onde o pagamento e o uso do serviço são realizados ao mesmo tempo.
E o de trato sucessivo ou execução continuada?
São aqueles onde as partes definem no contrato que deverão, de um lado, pagar por um número de meses seguidos, e de outro, fornecer o produto também pelo mesmo tempo.
Neste caso, as partes se obrigam, durante certo tempo, a cumprir cada uma a sua obrigação. Num contrato de um ano, por exemplo, a cada mês um deve pagar certo valor, enquanto o outro deve disponibilizar o acesso ao serviço contratado. No contrato de trato sucessivo essas obrigações estão bem definidas e são basicamente as seguintes:
a) o tempo de vigência do contrato (tempo contratado);
b) a obrigação de pagar cada um dos meses (ou “parcelas”);
c) A forma de pagamento e o tempo do pagamento (antes ou depois do serviço ser prestado em cada mês);
d) a obrigação de fornecer o serviço apenas após a confirmação do pagamento (por exemplo);
e) as formas de colocar fim ao contrato caso um dos contratantes não queira mais continuar;
f) as penalidades pelo descumprimento da obrigação por um dos contratantes;
VONTADE DOS CONTRATANTES E CARACTERÍSTICA DO OBJETO
A coisa é assim por dois motivos simples: porque as partes do contrato assim desejam e as características do objeto permitem que seja de uma forma ou outra.
E as características do próprio prestador do serviço?
A capacidade econômica, capacidade tecnológica, independência em relação a terceiros, disponibilidade da coisa etc., podem ser fatores que permitam um contrato ser pré-pago, mas nem sempre.
E NOS SERVIÇOS DE TECNOLOGIA?
O “pagou-usou” não é regra para todo contrato eletrônico (serviços de tecnologia, por exemplo). Muitos são do segundo tipo, contratos de obrigação continuada, justamente pelas características que o envolvem.
Muitas vezes esses serviços dependem da manutenção de infraestrutura complexa, servidores internacionais, contratos com terceiros, variações cambiais e uma diversidade de circunstâncias internas e externas que impedem o fornecimento de um serviço na modalidade ‘pré-paga’, inclusive, alguns serviços precisam ser maleáveis para permitir ao usuário do serviço pedir ajustes específicos (inclusive no meio da execução do contrato).
Outra coisa. Nem sempre o “tamanho” do fornecedor é o fator mais relevante para definir se uma obrigação será desta ou daquela forma, basta apontar, por exemplo, o Amazon Prime, onde se paga mensalmente o serviço, sendo um serviço de execução continuada (mesmo sendo possível pagar numa única vez, por exemplo, todo o valor do ano).
E as multas?
Poder ou não cancelar o contrato com ou sem multa não muda o que dissemos até aqui. Cláusulas de ‘’fidelidade’’ também podem ou não existir, sem mudar o contrato como sendo de trato sucessivo ou pré-pago (os dois podem ou não ter fidelidade).
O que define o pré-pago serão (via de regra) aquelas características que apontamos acima.
Essas circunstâncias que envolvem o serviço impõem que a obrigação seja cumprida de uma forma diferente. É por isso que muitas empresas usam a forma de contrato de execução continuada (ou de trato sucessivo).
DESCUMPRIMENTO
Por isso que nestes contratos, cada uma das partes deve cumprir sua obrigação. Aquele que não cumpre não pode exigir do outro o cumprimento da sua parte.
O descumprimento, esse corte da “amarra” (obrigação) entre as partes, geralmente é previsto no contrato de trato sucessivo, onde se estabelece uma “punição” que pode ser multa, juros moratórios, interrupção dos serviços, rescisão contratual, perdas e danos etc., ou tudo isso junto. Essa é uma diferença importante entre os tipos de contratos.
TOLERÂNCIA DO FORNECEDOR
A tolerância do fornecedor de um serviço (de uma obrigação de trato sucessivo) em manter um serviço ao invés de interrompê-lo imediatamente caso a outra parte não cumpra sua obrigação (pagar), não muda em nada aquilo que foi contratado.
Se estiver previsto num contrato que um fornecedor de plataforma de comunicação, ao não ser pago, pode interromper o acesso ao serviço e dar o contrato por quebrado, ele poderia executar o contrato judicialmente; mas ele resolve não interromper o serviço e entrar em contato com o cliente devedor para que este volte a pagar para conservar o contrato.
As razões dessa tolerância podem ser infindáveis. Pode ser questão de política financeira da empresa (volume de negócios), política de relacionamento com o cliente, evitar prejuízos ao cliente etc. Mas não torna o contrato um contrato pré-pago, nem um contrato instantâneo, nem muda aquilo que está combinado no contrato.
É bom dizer que o meio onde o contrato é celebrado não muda em nada esses aspectos, sejam contratos eletrônicos (realizados puramente de forma digital, entre pessoas em países, línguas e costumes diferentes) sejam os tradicionais presenciais (feitos presencialmente e assinando um papel com reconhecendo firma).
EM RESUMO
O conceito de pré-pago, no fim, é algo ainda maleável, depende de suas características (para nós, são aquelas apontadas acima), não havendo definição, por exemplo, em lei.
E, por fim, é importante deixar claro que, seja uma relação entre empresas, seja uma relação de consumo, as características destes contratos é que definirão se são instantâneos, pré-pagos ou de trato sucessivo.
Até a próxima.
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