O cidadão como réu no STF num processo que não existe

Imagine-se na seguinte situação. Numa bela manhã você acorda com alguém à sua porta (um oficial de justiça ou ao Policia Federal, sabe-se lá…) entregando-lhe uma intimação, uma notificação, um comunicado (escolha um nome) dizendo que você foi multado por usar o Telegram, você contrariou a decisão do Ministro Alexandre conforme o inquérito número tal (o qual você nunca soube que existia), e a coisa já estaria na casa dos milhões de reais (já que a multa é diária e você usou o aplicativo por alguns dias). Assustado você procura seu advogado para saber se isso é real ou não. O advogado olha, examina, vira e revira o papel, e responde: ‘’a coisa não é nada boa’’.

Isso, de fato, parece estranho, surreal, mas está a ponto de acontecer e explico.

Juridicamente falando, se deve ter em mente que todo cidadão brasileiro que utiliza o Telegram foi ou pode ser afetado pela referida decisão do Ministro do STF (que mandou suspender o acesso ao aplicativo no Brasil e estabeleceu multa contra quem usar). Sendo assim há um prejuízo, ainda que potencial. E como lidar com isso pela lógica jurídica?

Para ser bem honesto, a coisa parece surreal mesmo, mas vamos por partes pois o problema não é teórico, é real.

Primeiro, se quisermos “recorrer” ou “impugnar” (haja aspas nessas coisas) a decisão, teremos necessariamente de reconhecer a “validade” ou “regularidade” de um procedimento absolutamente irregular (na minha opinião profissional, é inválido ou inexistente – questão técnica processual), que não preenche sequer os requisitos de existência e regularidade processuais (ou de um inquérito policial), e mesmo assim, teria de dar “legitimidade” ao pano de fundo todo (entenda melhor lendo o artigo anterior aqui).

Depois, há de se decidir como é que o cidadão afetado ingressará nessa “lide”, nessa “demanda”, nesse “processo” ou “inquérito” (haja aspas!). Sabe bem do que se trata? Alguma vez teve acesso (ou o advogado terá acesso a algo que os próprios advogados dos envolvidos tem dificuldade em conseguir)? Ingressará como parte para “recorrer”? Você foi alguma vez citado para participar deste “processo” (Rede Globo e G1 não vale!)? Será parte dele como autor ou réu (autor que foi condenado a uma multa)? Como réu (que nem participou do procedimento e nem teve oportunidade de se defender)? Como terceiro interessado? Interessado em quê? Qual modalidade de intervenção, contra o autor ou réu (autor é o Ministro?)? Entrará nesse procedimento como vítima, mas sendo tratada como réu? E qual seria a acusação contra você que está sendo prejudicado e pode levar uma “pena” por usar um APP? Você alguma vez teve a oportunidade de se pronunciar neste “processo” ou defender-se? Usar alguma das hipóteses é um problema, e deixar de ter uma resposta, é o problema multiplicado por mil.

Em terceiro lugar, “recorrer” de que forma? Como? Qual o meio processual impugnativo contra uma “decisão” judicial num processo que tramita no Supremo Tribunal em Brasília e não é nem processo e nem um inquérito de fato, cujo procedimento não segue a lei, o qual você nem faz parte mas está sofrendo suas conseqüências?

Quem terá competência para julgar este “recurso” inominado num procedimento desengonçado? O Ministro pai da ordem, ele que julgará a própria decisão? Ele mesmo que é vítima, investigador e julgador da coisa? Os demais Ministros que vêem tudo e se calam diante disso tudo? Ou aquele outro Ministro do STF que, vendo o tamanho do desastre da coisa toda, chamou o tal inquérito de “Inquérito do Fim do mundo”?

A multa? Bem, você, cidadão, acordou réu num mundo Kafkiano onde não sabe o que ocorre e nem que existia um “processo” estranho no Brasil e agora tem contra si uma “sentença” te “condenando” a uma multa astronômica caso faça algo tão normal quanto mandar uma mensagem à sua vovozinha usando um APP.

Enfim, não há outra forma de ver tudo isso senão como um grande e contínuo ataque à sociedade, à Constituição, às leis, uma violação e um atentado contra o Estado Democrático de Direito, ao Devido Processo Legal Substancial e Processual, sendo, assim, no nosso entender técnico da coisa, um crime de responsabilidade, que deveria, ainda hoje, ter seu impeachment tramitado pelas salas do Senado, nas mãos daqueles Excelentíssimos Senadores que têm um pouco de amor pelo Brasil e um pouco de respeito pela Constituição Federal.

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